Rock in Rio também nos oferece situações que nos levam a refletir
Por: Wlademir Ferreira Filho
Foto: Google imagens |
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Em uma despropositada pesquisa na internet encontrei uma matéria do Google notícias sobre a participação de Cláudia Leite na primeira noite do Rock in Rio 2011. A grande surpresa foi quando comecei a ler os comentários dos internautas sobre a matéria. Vejam alguns desses comentários transcritos abaixo:
“Pode crer, realmente esse Rock in Rio nada a ver. Gente, esse evento é de ROCK não de AXÈ, fora o axé em eventos! Isso parece uma praga.”
“Quem gosta de axe q va pra bahia! Querem enfiar essa m.er.da de musica goela abaixo das pessoas, por favor... Pra comecar, axe eh um ritmozinho que merecia ser eliminado, nem pode ser chamado de musica, pior ainda eh colocar essa bo.st.a em rede nacional e em um festival onde se paga caro pra assistir. Isso soh mostra que deve ter faltado dinheiro pros organizadores terem contratado coisa melhor!”
“Vai cantar AXÉ para a BAIANADA minha filha!”
Que tristeza! A Bahia de tantos músicos bons hoje a mídia não dá espaço para o que presta e só para porcarias.Voces precisam ver os pagodes.São verdadeiras aberrações.Palavrões,xingamentos,falta de amor total.Enquanto isto os bons músicos baianos tocam na europa.Quem manda ? A MIDIA
“Um monte de otário falando da bahia, eu sou paulistano e moro em salvador que é bem melhor do que essa bosta do rio de janeiro que só tem trafico de drogas. Vai se xxxx vc que falam mal da bahia seus imbecis, no carnaval o que mais da aqui é turista de são paulo e rio, mas eu nunca vi ninguem sair daqui para ver essa porcaria de escola de samba. Só lembrando que eu tb não gosto da claudia leite... E ao jose que comentou aqui, meu querido, vai se alfabetizar que axé é com x e não com j seu burro. E pra juliana, ritimozinho é rock que só tem som de guitarra encomodando o ouvido da gente. Que merda de ritimo”.
“O problema das pessoas é achar que a sua opinião é a única e verdadeira. A filosofia do Rock in Rio não é apenas Rock Roll e sim liberdade de expressão! Por isso se tem mais de um palco. Temos que respeitar o gosto de cada um! Viva o Axé, Samba, Pagode, Funk, Sertanejo e principalmente o ROCK IN RIO. Parabéns Cláudia e sucesso sempre.”
É possível que uma análise menos atenta dos comentários acima nos leve a pensar que o único problema que eles apresentam são os erros de grafias e os palavrões que os recheiam. Esses problemas são até duas características de textos que veiculam na internet, sobretudo em comentários, portanto podemos dizer até que não são problemas propriamente ditos. O mais grave do que lemos acima, na verdade, é o conteúdo, ou melhor, o que ele expressa e o como isso nos cega.
As falas dos internautas autores dos comentários acima expressam um sentimento que já foi – e ainda é – motivo para muitos conflitos bélicos e genocídios históricos. Trata-se do etnocentrismo, uma visão de mundo que leva o sujeito a menosprezar as culturas diferentes e a avaliar o diferente pelos seus valores e crenças. Esse sentimento tem que ver com a dificuldade de conviver com a diferença, considerando-a inferior, e está diretamente relacionado com o preconceito.
Não estamos falando de sermos obrigados a adotar ou a forçar o gosto pela diferença, mas de respeitá-la. Ou seja: ninguém é obrigado a gostar de rock, axé, pagode ou samba, mas precisamos respeitar aqueles que adotam determinado gênero musical. Não estamos falando também em cerceamento de expressão: posso muito bem expressar minhas preferências musicais sem agredir ou ofender o outro.
Outro fenômeno que aflora com esse sentimento é uma espécie de cegueira conceitual. Vejam-se as fotos que encabeçam este texto. Qual delas é a mais vulgar? Ou melhor: há vulgaridade em alguma delas? Por que será que poucos notaram o gesto pouco comportado de Rihanna, mas consideraram um ato de “pornografia” e uma ofensa à imagem da brasileira lá fora a aparição da calcinha de Cláudia Leite? Duas prováveis respostas: 1) talvez o problema não seja a calcinha aparecendo, mas a pessoa, o ritmo e o povo representado por Cláudia Leite; 2) quem sabe estamos diante de um fenômeno sociológico que deve nos envergonhar: valorizamos mais o que vem de fora do que aquilo que é da gente, do nosso povo.
Quero esclarecer que não tenho um gosto musical que adote o axé, o funk e o tecnomelody, mas tenho a consciência de que criminalizar e ridicularizar esses ritmos é o mesmo que fazê-lo com o grupo de pessoas que os adotam como gosto musical. Prefiro usar da atitude expressa pelo autor do último comentário acima: liberdade de expressão e respeito às diferenças. Quanto ao direito de expressar minha opinião, lembrem-se: meu direito acaba onde inicia o direito do outro. É preciso respeitar esse limite.